domingo, outubro 17, 2010

Aprendendo a ouvir







Você já percebeu que tudo que é feito pelos índios está em círculos.
Isto é porque o Poder do Mundo sempre trabalha em círculos
e tudo tenta ser redondo...
O céu é redondo e eu tenho ouvido que a Terra é redonda como uma bola,
assim como todas as Estrelas.
O vento, em seu enorme poder, gira.
Os pássaros fazem seus ninhos em círculos, pois eles têm
a mesma religião como a nossa...
Até mesmo as Estações formam um grande círculo durante suas mudanças
e sempre voltam ao lugar onde estavam antes.
A vida de um homem é um círculo de infância a infância e isto está
em tudo que se move em energia.
Black Elk (1863 – 1950)
Oglala Sioux Holy Man


Dentro da sabedoria indígena, existe uma cerimônia chamada Talking Circle.

Todas as pessoas dentro do circulo têm o direito de falar o que quiserem, sobre o assunto que quiserem. Não existe um tema único. Cada um fala sobre o que acontece  no coração naquele momento. O círculo todo OUVE quem está falando e não apenas o escuta.


Durante a cerimônia, a pessoa que tem o poder da palavra segura um bastão, que é chamado de Talking Stick ou Bastão que Fala. Esse bastão pode ser feito de diversas maneiras. Enquanto aquela pessoa segura o bastão, ninguém abre a boca para falar uma única palavra que seja. Não existe tempo para cada um. E ninguém interrompe quem está falando, só por achar que ela falou demais. O círculo todo OUVE quem está falando e não apenas o escuta.

Durante minha participação em Talking Circles, percebia que às vezes a pessoa segurava o Bastão e ficava em total silêncio... por muito tempo. Ninguém se dirigia a ela para dizer que deveria passar o Bastão para a próxima, já que não tinha nada a dizer.

O respeito era tão grande, que sempre me emocionava.

Vamos aplicar isto em nossa vida diária trazendo paz, consequentemente equilíbrio e saúde, demonstrando ao outro o amor que existe em nosso coração.








ESCUTATÓRIA

Do genial Rubem Alves, lá das Minas Gerais...

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que... não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...

A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz
não fosse digno de descansada consideração.....
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...  Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança...

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos..... Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.

Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.

Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência... E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar...

Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto
.   (Rubem Alves)







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